Moção da CAI/ABA contra reportagem Terra Contestada.

22/08/2014 13:13

Associação Brasileira de Antropologia Comissão de Assuntos Indígenas

Quanto ao processo demarcatório da Terra Indígena Morro dos Cavalos (Palhoça/SC)

Quanto à série de reportagens intituladas Terra Contestada, publicadas no jornal Diário Catarinense entre 07 e 11 de agosto de 2014

Apresentação

Não é de hoje que a imprensa catarinense lança reportagens que buscam infirmar os direitos constitucionais territoriais indígenas. Neste sentido, distorce fatos, inverte imagens, apresenta inverdades, estimula controvérsias, lança impropriedades, questiona e acusa profissionais da Antropologia, assim como atribui a responsabilidade à comunidade indígena Guarani de Morro dos Cavalos os atrasos na duplicação da rodovia BR 101 e à construção de dois túneis, culpa-a por atropelamentos e acidentes que ocorrem na rodovia, de ser empecilho ao desenvolvimento, e aponta-a como chaga e estorvo no litoral catarinense. Descreve a regularização fundiária da Terra Indígena como grave problema social, fundiário, ambiental, existencial. Por outro lado, omite interesses econômicos sobre essa terra indígena, declarada pelo Ministro da Justiça em 2008, demarcada fisicamente em 2010 e que ora aguarda a homologação pela Presidente da República. E cumpre notar, ainda mais grave, a irresponsabilidade do órgão de imprensa ao incitar conflitos infundados entre os residentes nas imediações da terra indígena e os índios, além de assacar impropérios contra a reputação profissional de uma antropóloga, pelo desempenho estrito de suas atribuições legais e especializadas.

A mais recente, constitui-se em uma série intitulada Terra Contestada, publicada no período de 07 a 11 de agosto de 2014, pelo jornal Diário Catarinense, pertencente ao grupo Rede Brasil Sul de Comunicação (RBS), afiliado da Rede Globo. Com ela e a matéria veiculada em televisão, no programa Jornal do Almoço, de 09 de agosto, mais uma vez a RBS afronta a boa e séria informação jornalística, impõe ao leitor e telespectador vis decomposições e estilhaços de um contexto embebido em complexidade, não medindo esforços em desfilar e sublinhar uma parcialidade deplorável em defesa de interesses econômicos e políticos que se opõem aos direitos indígenas. A publicação dessa série de reportagens, em momento estratégico, antecede o julgamento da Ação no Supremo Tribunal Federal que pede a nulidade do processo de regularização da Terra Indígena Morro dos Cavalos, movida pelo governo do Estado de Santa Catarina.

No dia 12 de agosto, após digerir com dor e perplexidade a mais esse ataque orquestrado na imprensa, lideranças Guarani criticaram e rebateram as insidiosas afirmações veiculadas. Em coletiva à imprensa na Coordenação Regional Litoral Sul da Funai, os indígenas teceram duras críticas à RBS. Refutaram as posições externadas pelo órgão de comunicação, e exigiram direito de resposta, de lhes serem dadas voz e vez. Reafirmaram o que é consensual nas aldeias guarani em Santa Catarina, de que Milton Moreira, único indígena ouvido pela RBS, não representa nem possui qualquer legitimidade para falar em nome dos Guarani. Também repudiam o uso político dessa dissidência, afastada de Morro dos Cavalos e de outras comunidades por motivos diversos, inclusive por “vender” uma extensão da terra indígena ao valor de uma cesta alimentar básica, em 1987.

A coordenadora do grupo técnico que conduziu os estudos de identificação e delimitação da Terra Indígena Morro dos Cavalos, antropóloga Maria Inês Ladeira (Centro de Trabalho Indigenista/SP), é profissional provida de integral competência nos assuntos e estudos referentes aos Guarani, o que inclui as demandas territoriais, assumidas no artigo 231 da Constituição Federal de 1988. A CAI-ABA, conhecedora da excelência de sua pesquisa e atuação junto a grupos Guarani desde finais da década de 1970, reconhece sua autoridade e a envergadura qualitativa de seu trabalho.

Ao mesmo tempo, a CAI-ABA refuta de forma peremptória a contratação do senhor Edward Luz pela Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina (Fatma), para elaboração de laudo antropológico no âmbito do Processo nº 2009.72.00.002895-0 (Juízo Federal da Vara Ambiental de Florianópolis/SC), cuja inicial requer a nulidade do processo demarcatório da Terra Indígena Morro dos Cavalos, movida contra a União (AGU) e a Funai. Ressalta que Edward Luz não mais compõe a Associação Brasileira de Antropologia desde 11 de janeiro de 2013, quando foi expulso dada sua postura não compatível com a ética profissional estabelecida por essa Associação, e por proferir declarações equivocadas e reducionistas, inteiramente desprovidas de rigor e embasamento científico. Em visível afronta ao estabelecido na Constituição Federal de 1988, a atuação profissional de referido antropólogo tem se pautado em denegar os direitos dos povos indígenas, em direta sintonia com os interesses das redes políticas das quais participa, de forte viés conservador e autoritário. A ABA enfaticamente deslegitima qualquer atuação de Edward Luz como antropólogo.

Assim, a ABA se junta às posições do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Movimentos Indígenas, Políticas Indigenistas e Indigenismo (LAEPI) do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas (CEPPAC/UnB) e dos participantes do XV Encontro Estadual de História da ANPUH-SC (abaixo), ao se manifestar contrariamente à atuação de Edward Luz.

Procuramos médicos ou advogados expulsos de suas organizações de categoria ou de conselhos reguladores da atuação profissional? Por que, então, um órgão público estadual, com dinheiro público, contrataria um antropólogo expulso da ABA para elaboração de um laudo sobre os indígenas Guarani, de quem, além de tudo, não tem o menor conhecimento?

Brasília, 18 de agosto de 2014.

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Brasília-D.F., 07 de abril de 2014.

À Direção do CEPPAC, Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Estudos Comparados sobre as Américas (PPG/CEPPAC) e Colegiado do PPG/CEPPAC

Assunto Manifestação de repúdio às declarações de doutorando do PPG/CEPPAC, publicadas na imprensa anti-indígena.

Prezada Profa. Flávia Lessa de Barros e prezado Prof. Luiz Guilherme de Oliveira, prezados membros do Colegiado do PPG/CEPPAC,

Os membros do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Movimentos Indígenas, Políticas Indigenistas e Indigenismo (LAEPI) do CEPPAC, presentes em sua V Reunião no último dia 04 de abril de 2014, 15h, no CEPPAC, discutimos e concordamos em manifestar formalmente e em acordo com a grande maioria da comunidade antropológica, que tradicionalmente tem defendido os direitos dos povos indígenas, quilombolas, populações tradicionais e minorias étnicas, nosso repúdio às opiniões e declarações proferidas pelo doutorando do PPG/CEPPAC, Edward Mantoanelli Luz, que foram objeto de publicação em diferentes veículos da imprensa e reproduzidas em páginas eletrônicas, Youtube e blogs. Referimo-nos, em especial às seguintes matérias:

1) “A questão das Terras Indígenas no Brasil”, de 26 de dezembro de 2013, publicada na Revista Infovias, disponível em:

http://www.revistainfovias.com.br/portal/materias/ed-11/234/_Ent_evista);

2) Boletim N.A. 19/04/13, disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=iXk-

L90ex8A ; e

3) “Índios na encruzilhada”, disponível em

http://www.unesp.br/aci_ses/revista_unespciencia/acervo/48/terras-indigenas.

Observa-se nas declarações e opiniões do Sr. Edward Luz uma explícita contrariedade com os processos administrativos de demarcação de terras indígenas no país, com acusações espontâneas a membros da comunidade antropológica responsáveis por coordenar estudos de identificação e delimitação de terras indígenas e informações distorcidas sobre a realidade da situação fundiária das terras indígenas no país.

Compreendemos, na qualidade de estudiosos dos movimentos indígenas, políticas indigenistas e indigenismo, que tais declarações e opiniões não refletem o conhecimento produzido no âmbito do LAEPI, onde dezenas de publicações técnicas e científicas vem comprovar precisamente a legitimidade e idoneidade dos procedimentos de regularização fundiária de terras indígenas promovidos pela Fundação nacional do Índio (FUNAI) e a violência simbólica e física praticada contra os povos indígenas por aparatos do Estado, da grande imprensa e por segmentos da sociedade civil.

Emblemático do poder desmesurado dos interesses e grupos anti-indígenas é precisamente a violência sofrida pelo povo indígena Tupinambá da Serra do Padeiro, a qual tem sido objeto de denúncia em campanha promovida no âmbito do LAEPI a partir do trabalho excepcional de Daniela Alarcon, membro do LAEPI.

Deste modo, solicitamos que seja recebido e lido este documento na próxima reunião do Colegiado do PPG/CEPPAC, de modo a não restar dúvidas quanto ao caráter não representativo das declarações e opiniões do Sr. Edward Luz acerca do conhecimento que é produzido e ensinado no âmbito do PPG e do próprio LAEPI.

Respeitosamente,

Prof. Dr. Cristhian Teófilo da Silva

Coordenador do LAEPI

Prof. Dr. Stephen Grant Baines

Dr. Gustavo Hamilton Menezes

Dra. Melissa Curi

Wildes Souza Andrade

Sandra Nascimeto

Ana Maria Martins Amorim

Juliana Pinheiro Nogueira Bessa

Tamara Lopes Martins Camargo

Liliana Salvo

Estevão Rafael Fernandes

Membros do LAEPI

Nota de Repúdio às reportagens da série “Terra Contestada” do Grupo RBS

Os membros do Simpósio Temático nº 13: “Indigenismo e Movimentos Sociais Indígenas” proposto no XV Encontro Estadual de História: “1964-2014 – Memórias, testemunhos e estado” realizado entre 11 e 14 de Agosto de 2014, Seção Santa Catarina (ANPUH-SC), vem a público divulgar Nota de Repúdio à Empresa Rede Brasil Sul de Comunicação (Grupo RBS) devido à reportagem “especial” veiculada em seus meios, sobretudo  no  Jornal Diário Catarinense, intitulada: Terra Contestada, nos dias 07, 08, 09, 10, 11 e 12 de Agosto de 2014.

É importante salientar que não se pretende com esta nota, repetir o conteúdo vexatório, discriminatório, racista, tendencioso, “parcial” e contraditório das reportagens veiculadas, pois estaríamos corroborando com ideias e pensamentos que marginalizam os povos indígenas ao longo da História deste país. Estes povos vêm sendo paulatinamente execrados e deixados à margem de uma sociedade que se diz plural, diversa, pluriétnica e culturalmente rica quando se trata de divulgar e identificar a imagem da região a qual pertence este estado de Santa Catarina.

Inicialmente, convém questionar e depois esclarecer a tão propalada imagem desta empresa, que tenta promover um jornalismo pautado na imparcialidade. Caso não seja de clareza de seus dirigentes e funcionários, as reportagens apresentam conteúdo conivente e subserviente ao sistema político e econômico dos setores administrativos dos governos, quer em esfera estadual ou federal.

 No que se refere à “imparcialidade” do caso em questão, foram ouvidas pessoas de duas entidades, uma governamental e outra não governamental, que segundo a própria reportagem, fazem o mesmo trabalho. Então, ao apresentar informações que denotam juízo de valor, verifica-se uma postura parcial, a qual confunde o leitor desavisado e leigo sobre o assunto. Os sujeitos envolvidos e atacados pela reportagem, sequer foram ouvidos, lideranças (cacique, professores, anciões), famílias Guarani que residem na comunidade Itaty do Morro dos Cavalos. A reportagem veiculou a entrevista de apenas um Guarani, que há algum tempo já não reside mais na Comunidade Itaty. Isso é parcialidade. A parcialidade está visível também em relação aos estudos, laudos e pareceres técnicos, pois são consideradas pela reportagem apenas informações fragilmente embasadas por um antropólogo já desligado formalmente da Associação Brasileira de Antropologia – ABA.

Poderíamos ainda elencar uma série de procedimentos equivocados no caso dessa série de reportagens e de outras que já foram veiculadas pela mesma empresa de jornalismo e comunicação. Na coluna política do Diário Catarinense, é recorrente a postura de contradizer e execrar os indígenas da comunidade Itaty (Morro dos Cavalos), inclusive, impingindo aos Guarani,  a culpa pelas mortes ocorridas na BR 101.

Além dos antropólogos, do CTI, da FUNAI, existem muitos pesquisadores realizando estudos com os indígenas, sobretudo com o povo Guarani, nas mais diferentes áreas do conhecimento: História, Biologia, Gestão Ambiental, Engenharia, Ciências da Saúde e outras.  Convém salientar os estudos realizados por estudantes indígenas Guarani, moradores da própria aldeia Morro dos Cavalos, acadêmicos da Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica, na UFSC. Com isso, ressaltamos que os indígenas são agentes protagonistas de suas próprias histórias e suas opiniões e percepções devem ser consideradas em um Estado que se diz exemplo de multiculturalidade.

Em se tratando de verbas, trazemos à memória, os vários momentos em que foram dispensados recursos para a finalização das obras da BR101. Nestes últimos 15 anos foram pelo menos três vezes em que foram anunciados recursos que possibilitariam a finalização da obra. Onde foram parar estes recursos?

Não se pode conceber e calar-se sobre reportagens como estas, que são racistas, preconceituosas e incitadoras de violências, em um tempo em que o racismo tornou-se crime, o preconceito é próprio dos ignorantes e toda forma de violência contribui para a falta de diálogo e a intolerância nos contextos social, cultural e econômico.

Assinam:

Membros participantes do Simpósio Temático nº 13: “Indigenismo e Movimentos Sociais Indígenas” no XV Encontro Estadual de História: “1964-2014 – Memórias, testemunhos e estado” realizado entre 11 e 14 de Agosto de 2014.

Aprovam, por unanimidade:

Participantes do XV Encontro Estadual de História: “1964-2014 – Memórias, testemunhos e estado”.

Florianópolis, 14 de Agosto de 2014.